A partir da Terra nós observamos o céu estrelado, o Sol, a Lua e os planetas. Terráqueos, nossa perspectiva é geocêntrica, e porque não dizer, antropocêntrica? Para a prática astrológica não faria sentido o heliocentrismo, cujo Sol é o ponto central de observação, pois experimentamos a vida na Terra.
O sistema geocêntrico (Modelo Ptolomaico), também conhecido como Modelo das Esferas Celestes, foi ricamente ilustrado em diferentes culturas e temporalidades, como se pode observar em vários manuscritos.
No centro do modelo está a esfera da Terra e os quatro elementos: terra, água, ar e fogo, do mais pesado ao mais leve. São representações dos continentes e biodiversidade, dos mares e rios, e das condições atmosféricas. Camada conhecida como Mundo Sublunar, pois está abaixo da Esfera da Lua e onde sentimos os efeitos da natureza e transformação da matéria.
Em seguida estão as esferas celestes dos sete planetas visíveis a olho nú, começando pelo astro mais rápido, a Lua, seguida por Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e, por último e mais lento, Saturno, na sétima esfera. A Astrologia procura compreender a relação entre a movimentação das esferas celestes (planetas) e as mudanças das condições dos quatro elementos (Terra).
A oitava esfera é a do Firmamento, que num céu noturno, observamos constelações e estrelas fixas, e pelas quais nos guiamos.
Por último, mais distante da Terra e também a mais importante, está a nona esfera celeste chamada de Primum Mobile (a esfera do Zodíaco). Representa o movimento diário de rotação aparente do céu de leste para oeste. É assim que observamos todas as demais esferas se movendo, ou seja, as estrelas e os planetas quando nascem à leste, culminam e se põem no oeste.
Para compreender como tudo isso funciona é preciso conhecer as relações que se estabelecem entre cada estrela, planeta, e signo com os quatro elementos.
Os movimentos celestes foram sistematicamente registrados durante milênios por diferentes civilizações. Talvez a Astrologia seja um desses poucos “espaços” de convergência e colaboração entre as mais variadas culturas.
Estruturas cosmológicas e filosóficas sustentam a forma como ordenamos as coisas, pensamos e agimos sobre o mundo. Quando destruídas, surge um novo cosmos, uma nova ordem. As bases da sociedade são profundamente abaladas e nada mais será como antes. O modelo geocêntrico chegou até o período Moderno no século XVI. Daí em diante o conjunto de acontecimentos históricos foi marco civilizatório que reverbera até os dias de hoje. Entre alguns cito as navegações, o “descobrimento” e colonização das Américas, escravização em larga escala, a ciência moderna, o positivismo, as revoluções etc.
Até então, prevalecia o cosmos aristotélico-ptolomaico, onde nosso lugar no sistema era o Mundo Sublunar, abaixo da Esfera da Lua, e portanto, submetidos às transformações e modificações dos quatro elementos, ou seja, das forças naturais. Ao ser lentamente substituído pelo modelo copernicano e pelos novos paradigmas científicos da modernidade, parece termos jogado o bebê fora junto com a água suja, como dizem por aí.
Tudo aquilo que representa conhecimentos tradicionais, pautados no empirismo e transmitido por gerações, é facilmente considerado como ultrapassado, não científico e, portanto, deveria evoluir em direção à modernidade como sinal de progresso e avanço. Nessa leva, o modelo da harmonia das esferas celestes e todo antigo conhecimento astrológico, observado e registrado durante milênios foi, de certa maneira, descartado.
Essa parece ter sido a queda do céu¹ cosmológico do Ocidente. Foi também o decaimento da antiga ciência dos astros. Marginalizada, a astrologia sofreu proibições e ficou restrita a poucos grupos como as sociedades secretas e esotéricas. Já no século XX, com o surgimento da psicanálise e psicologia, a astrologia foi parcialmente recuperada, porém, sem as bases tradicionais. Assim, conceitos essenciais ao raciocínio astrológico foram substituídos por outros não astrológicos e novos elementos, oriundos de outras áreas, foram inseridos na prática astrológica, fato inédito na história da astrologia.
Não se trata de ser contra o desenvolvimento de técnicas e do potencial transdisciplinar da astrologia. O ponto é quando se faz isso desconsiderando toda a base prática e filosófica, que atravessou diversas culturas e temporalidades, ao invés de servir aos anões como ombros de gigantes.
Em geral, astrólogos são formados sem conhecimento dos fundamentos clássicos, induzidos a buscar conceitos de outras áreas como psicologia, mitologia, visão sistêmica, reencarnação, entre outras abordagens, para embasar e justificar análises astrológicas. Não há nada de errado em associar outros conhecimentos à astrologia, desde que não se torne fator impeditivo ao próprio estudante ou astrólogo que não tem formação como terapeuta, psicólogo, ou outras formações, pois a tradição astrológica é autônoma.
Devido à crise civilizatória que a humanidade atravessa, começamos a questionar a ideia de “progresso”, de “avanço”, de “aceleração” e “crescimento”. Na astrologia há um movimento, ainda que tímido, de resgate da tradição. Exemplo disso foi o Project Hindsight que, no início da década de noventa, focou em traduções de obras clássicas.
A modernidade trouxe uma série de novos paradigmas e pressupostos do que é ciência. A ótica sobre as coisas muda tudo. Na medida em que a Terra não era mais o centro do cosmos, nossa relação com ela também mudou. Passamos a observá-la de fora e de longe, através de satélites, telescópios, por astronautas no espaço ou pisando na Lua. Dava a impressão que tínhamos nos livramos da esfera do Mundo Sublunar, ainda que momentaneamente.
Não por coincidência, parece que quanto mais nos distanciamos do Mundo Sublunar, mais problemas criamos devido à desconexão com a Terra, cujos efeitos sentimos como “Mudanças Climáticas”, Antropoceno, Capitaloceno, ou seja lá como vamos nomear a nova era geológica do planeta.
Cada vez mais acredito na hipótese de termos errado o caminho², e menos em liberdade absoluta e irrestrita. Ao romper os laços com o Mundo Sublunar, acentuamos as diferenças entre natureza vs cultura.
Pensadores, de diferentes áreas, estão vindo à público falar sobre a desconexão do bicho homem com a Terra. E sobre o quanto não nos vemos como parte integrante e pertencente a esse sistema vivo quando transformamos a terra em natureza, depois em recursos naturais, em commodities, em bens, em produto, em mercadoria³, em lucro, e por fim, em devastação.
Mas não são todos os humanos, é verdade, e nem a maioria. Há que ser específico em apontar quais são esses grupos de humanos, pertencentes a quais sociedades e regiões do planeta, interessados que essa roda continue girando até o sacrifício de certa parcela da população, localizada pontualmente em determinadas regiões do planeta, ditas periféricas.
Ao nos livrarmos da ideia de Mundo Sublunar, não só a Astrologia sofreu uma ruptura com sua estrutura de pensamento e prática, assim como tudo à nossa volta. Por isso tudo acho interessante e válido resgatar o conceito das Esferas Celestes, dada sua beleza e importância em termos cosmológicos e filosóficos. Um bom exercício para lembrar da nossa condição humana, submetidos à realidade concreta da matéria e abaixo de todas as demais.
É preciso colocar a casa em ordem porque ela está pegando fogo.
O futuro é ancestral.
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✶ Graziela Teixeira
¹ ³A queda do céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. 2010.
²Jamais fomos modernos, Bruno Latour, 1991.